quinta-feira, abril 26

Quem dera ser um Acquário

por Ivanildo Abdias  


Na última convenção de Genebra sobre jornalismo ambiental em que participava, aturdido, recebo em meu celular de cem reais uma mensagem despudoradamente autóctone: O Ceará vai ter um aquário, reescrevendo, Acquario.


As calças arriadas demonstram o montante de minha surpresa. Alguns colegas palestrantes advindos da região do Algarve sentiram meu rubor a inflamar os presentes numa clara postura dilapidatória deste senhor que vos escreve.
-Ô, pá, que estais a acontecer? questionaram em uníssono.
-Nada, repliquei. E como em uma das muitas histórias trágicas contadas por Nelson Rodrigues pus a culpa no pastel.
-Foi um  pastelzinho. Um pastelzinho, repeti.


O retorno do cearense por vias aéreas fatalmente lhe reserva um momento de contemplação com o mau gosto. Após o desembarque, correndo na direção da esteira por onde cospem as bagagens, um mural, nababesco, descomunal, grosseiro, preenche os olhos dos que ali passam: a terrível imagem de nossos humoristas.


Não perdi tempo com esse detalhe. O que me interessava era a tal história do Acquarium. Bati um, ou muitos telefonemas para amigos mais sortudos e que estivessem dentro do caso. Não obtive boas respostas, nem notícias aconchegantes, até que um amigo da Tribuna do Ceará soltou uma quentíssima:
segundo o secretário de turismo do estado "o visitante poderá com o Aquuariun estar perto de bichos imponentes da fauna aquática cearense como Tubarões e Pinguins".


O querido amigo ainda teve tempo de enviar o vídeo que revela a suntuosa maquete do projeto:



BORBULHAS DE AMOR
Carente do afago dos números fui mais fundo nesta aventura à Jack Cousteau. O pedreiro responsável pela construção faraônica ainda não se decidiu se os peixes nadarão em potes de maionese ou se serão recolhidos a garrafas vazias de aguardente colonial. Em conversa de tom formal e cavalheiresca pontuou:
- Teve licitação pra isso não dotô, me explicou.
- 250 milhões? e ainda não se decidiu? vai ter ao menos espelho para os peixes beta ( peixes muitos usados no subúrbio para rinhas... de peixe) treinarem para as lutas? questionei.
- Nên, vai ter tubarão e pinguim, que nem nos filmes.


Moços e moçoilas cativados pelas ternas passagens cantadas por Raimundo Fagner cutucam o tubarão com linha curta. O movimento "Quem dera ser um peixe" cobra dos colegas de imprensa, poder público, forças ocultas e de quem mais interessar posse, respostas claras sobre a necessidade do Titanic cabeça chata que já se tornou essa pândega aquática.


Marquei com as partes interessadas na construção do Aqquaria uma entrevista que teria tom sinuoso, pórem, cordial. Ninguém apareceu e fiquei a ver navios no local da obra.
Por puríssima sorte, um zézinho qualquer que circulava ao meu redor na tentativa de garantir o sustento de seu lar, vendia chegadinhas (doce que lembra uma casquinha de sorvete) um tanto frias, se pensarmos na quantidade de brisa que ambos pegamos.


Comprei.Paguei.Perguntei a meu companheiro de fracassos o que ele achava dessa piada toda. Como não entendeu patavinas do meu arguir, fiz o papel de deixá-lo à par de toda a história, mais ou menos com fiz agora com você querido leitor, o rapaz abriu os dentes e disse:


-Dotô, sei não, a verdade é que eu queria era ser esse Aquário pra eu passar bem.


Depois dessa resposta saquei minha macaqueira do bolso, penteei os cabelos revoltos e fui embora, mastigando os farelos de minha chegadinha.


"De tempos em tempos, os homens tropeçam na verdade, mas a maioria deles se levanta e segue adiante como se nada tivesse acontecido".

Sir Winston Leonard Spencer-Churchill