segunda-feira, janeiro 7

O Menino Mimado


por Ivanildo Abdias

Bochechas rosadas. Cabelo bem penteado à goma. Gaveta de meias e cuecas mais organizadas que a fila de um sábado qualquer no Louvre. Farto e bem alimentado. Detalhes íntimos que insinuam a imagem mais correta de um torcedor do Barcelona. Qualquer um.

Mesmo os culés (nome dado a seus torcedores), cuja carteira de dinheiro ao ser aberta só sai uma solitária mosquinha estão empapuçados. Suas tristezas são acompanhadas da universal constatação (para eles) de que estarão por cima, sempre. O crédito a esse levante azul-grená é simples: O desfile de craques.

Antes mesmo que algum carola saia às turras, defendendo a dissertação de que “vencer é o que interessa, o resto não tem pressa”...  Que encontrar elegância na derrota é coisa de fracassados... Vamos com calma. O que o dileto Barça tem que o seu time não tem: Um glorioso pereba vestindo o manto sagrado do seu clube.

No futebol tupiniquim, esquecem as rodas de boteco, os cadernos de esportes, ou o fundão da sala de aula, que para cada gênio com a pelota nos calcanhares, trinta ou mais trastes são jogadores profissionais. Gentio que tenta a sorte em agremiações duvidosas. Um mercado onde remuneração tosca, campos esburacados e pilantragem são o Jesus e não a cruz.

É isso que motiva a devoção ao craque eterno. Aquele que veste o uniforme em batismo. Ele chegou ao seu time, leitor, passando pelos mais terríveis lamentos. Infernos indescritíveis. Cachaças, filhos com várias mulheres, analfabetismo da preguiça... O ídolo, o craque “bandeira”, (como os italianos se referem aos seus) merece as estátuas.

Questione um botafoguense da esquina e ele te virá com um certo “Mané”. Pode-se ir mais longe, um vibrante torcedor do moleque travesso lhe passa o orgulho de ter tido em seu campo o “Mão de Onça”. Um Ceará propõe seu Gildo. Temos um “Einstein”, o resto do time são fulanos, eles pensam. Para cada Corinthians que teve seu Basílio, teve o goleiro Nei “mão de pau”. É o complexo do camisa 10, aquele predestinado a trazer o equilíbrio à força. O craque é como o músico do finado Titanic, toca sua sinfonia até a morte.

O brasileiro só permite a junção de seus craques na amarelinha. Bem, seleção é outra conversa. Mesmo assim, ao ler a escalação do time de 70, é triste saber que um Roque Júnior da vida também esteve lá. Agora, a fatal pergunta ao menino mimado, quem é teu craque? Desinformado ou não, podia denunciar um: Bakero. Um espanhol cabeludo e desengonçado que jogou no time Catalão.

As Chuteiras do feito: O Gol do Adeus
O canal de televisão Bandeirantes era um templo para o amante do futebol. Era jogo que não acabava mais. Um tempo em que Luiz Datena era um vital repórter de beira de campo. Foi na programação desse canal que assisti a despedida de Bakero. A torcida do barça estava eufórica e entupia o palco de jogo. Pavilhões com o rosto do atleta tremiam. Eis, que aquele que se despede faz um gol. Delírio. O jogador nem comemora. Com a mão no rosto, deita-se no campo. Lágrimas. Lágrimas.

O camisa 10 de cada um é criado com a dor. Com o silencioso drama que acompanha o ordinário do dia a dia. Do mesmo manto que Bakero se cobriu, Stoichkov, Romário, Cruijff, Giovanni, Messi... Desfilaram. Quem gostaria de estar na pele do menino mimado que levante o dedo.